sexta-feira, 19 de dezembro de 2014

Cores, formas e ideias: entrevista com Maurício Takara























Maurício Takara é, desde a formação do Hurtmold no final dos anos 90, um dos mais proeminentes e ecléticos músicos da cena brasileira contemporânea. Sua produção musical, sempre muito particular, nunca deixa de transparecer uma atenção às inovações e criações sonoras em diversos nichos da produção nacional e internacional. Além dos vários grupos (Hurtmold, Coletivo Instituto, São Paulo Underground, Puro Osso) e parcerias (Baobá Stereo Club, Rodrigo Campos, Naná Vasconcelos, Elma etc) das quais participou nos últimos 16 anos como multi-instrumentista, Takara também mantém uma consistente carreira solo desde 2003, na qual explora recursos eletrônicos como sintetizadores, pedais e bateria eletrônica.

Tendo passeado por sonoridades que vão do post rock ao jazz e do trip hop à música clássica, a música de Maurício é toda ouvidos. Sua sensibilidade para a combinação e reinvenção de estilos e proposições estéticas reflete uma posição extremamente aberta e, ao mesmo tempo, direta e precisa quanto à relação com suas influências, os sons que o cercam e sua própria produção musical. Não somente na questão musical, mas também nos recursos técnicos, a permeabilidade de suas criações inevitavelmente o coloca na ponta das experimentações contemporâneas, sua sinceridade e sua paixão o tornam atemporal e atual, incomum e familiar.

Em 2014, além de integrar o Baobá Stereo Club na exploração dos tons graves de suas composições jazzísticas na bateria e no trompete e lançar o Lp Puro Osso como solista, ambos pelo selo Desmonta, o músico também deu início a mais um projeto, o mundotigre. Já contando com dois lançamentos — um em março, outro em outubro — o projeto evidencia uma exploração de texturas harmônicas, loops e batidas por um viés mais minimalista e ambient. Falei por email com o Maurício sobre o mundotigre, suas particularidades e, em especial, sobre as ideias e criações que culminaram em mundotigre ao vivo no Rio, lançado em 28 de Outubro. (G.M.)

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O projeto Mundo Tigre apresenta uma sonoridade bem singular, talvez se aproximando mais do Conta (2007) que de qualquer outro trabalho seu. Como você vê o projeto em relação à sua carreira? Existe alguma ideia musical específica que você quer expressar?
Pra mim a grande diferença no mundotigre é a formação mesmo. É um projeto mais baseado no processo criativo de música eletrônica, então mesmo que às vezes (raramente) eu utilize algum instrumento acústico, esse é usado de forma inserida nas técnicas mais eletrônicas. 

Você poderia falar um pouco sobre o processo de criação dos loops, samples e batidas? Quanto do material você cria do zero e quanto é apropriação?
Eu já usei muito mais samples. Hoje em dia eu tenho usado mais timbres gerados por mim (através de síntese) ou sons de “pré-set” dos equipamentos, processados até perderem suas características originais.  

Quanto ao recém lançado mundotrigre ao vivo no rio, como foi a junção dessas ideias musicais? Foi tudo improvisado ou você já tinha arranjos e combinações pensadas?
Quando eu vou compor para o mundotigre me baseio muito num set de equipamento que eu decido usar. É quase uma forma de se limitar e de extrair o máximo das características de cada máquina (o que acaba sendo bem diferente de quem trabalha com o computador). Penso muito como um compositor que compõe para formações de grupos específicos. Cada formação acaba tendo uma sonoridade diferente e isso muda muito o jeito de compor.  Esse set ao vivo no Rio é totalmente baseado numa groovebox da Roland que chama MC-808. Uso ela muito como se fosse uma mesa de som e toco de forma parecida com a técnica de produtores de dub, onde eu tenho uma série de faixas pré-programadas que vou combinando de forma um pouco improvisada, cada hora de um jeito. Por exemplo, ouvindo depois, percebi que esse set no Rio foi um onde eu explorei bem mais as texturas harmônicas e as camadas de timbres ao invés das batidas e percussões. 

Assim como em “Música Resiliente para Piano e Vibrafone”, é bem clara a influência da cena minimalista nova iorquina dos anos 60 e 70 no mundotigre, principalmente no “Ao Vivo no Rio”. Você considera o disco um trabalho minimalista? Quais são as possibilidades que mais te chamam atenção nessa abordagem de composição?
Não o considero um trabalho minimalista mas tem sim bastante influência dessa música. Eu gosto da ideia de compor música mais baseado em padrões simples e mântricos que quando combinados geram (às vezes) cores e texturas complexas. Também o fato de ser uma música que permite uma forma não tão ligada à tradição de canção e sim a algo que acontece no tempo sem se restringir a ele necessariamente. A sensação de que o que é ouvido não é a música inteira e acabada (com começo meio e fim) mas sim algo que passou por você mas já acontecia antes e continua acontecendo no espaço...  

Um reflexo grande dessa influência pode ser percebida no “Ao Vivo no Rio” quando, se não me engano, você se utiliza de samples de “Música para 18 Músicos”, do Steve Reich. Qual é a sua visão no que concerne a apropriação, autoria e criação?
Não é um sample mesmo, mas uma referência apenas.  Não penso muito em música como algo apropriável. Ela existe e se propaga independentemente de quem a fez ou de quem tenta controlá-la.


Quando você junta os vários fragmentos rítmicos e harmônicos para construir uma faixa, você desenvolve ou busca aspectos não musicais como imagens, ideias ou conceitos
Acho que sim no sentido de que eu não me baseio em nenhuma regra de nenhuma tradição musical. Eu gosto da sensação de me sentir transformado e mexido por sons da mesma forma de que por cores, formas e ideias. Mas normalmente não estou tentando expressar nenhuma ideia específica ou representar nenhuma figura através da música. Só tento permitir que os sons existam e sejam felizes entre si. 

Fora os compositores minimalistas, que nomes você pode citar como influências de grande importância para mundotigre como projeto e, em especial, para o “Ao Vivo no Rio”? Quais são suas maiores influências, artísticas ou não, fora da música?
Me sinto especialmente inspirado por artistas que não diferenciam muito seus processos por isso criam coisas variadas independentes do meio.  Isso inclui nomes como Rob Mazurek, Carlos Issa, Brice Marden, Hisham Baroocha, Jonathann Gall, Amilcar de Castro, Mark Gonzales, Jason Lee, Bobby Fischer... Gosto muito de andar de skate e fazer tai chi chuan também.  

Quais são seus próximos lançamentos? E você teria como falar um pouco a respeito de ideias musicais ou projetos para o futuro?
Tenho mais 2 discos do mundotigre prontos que devem sair logo. Um deles em janeiro em fita cassete. Tenho feito bastantes shows sozinho tocando instrumentos diversos e tenho gostado muito, vou fazer uma turnê assim na Argentina em janeiro e pretendo continuar desenvolvendo esse set. No mais, gosto mesmo de ficar buscando novos sons e ideias mesmo que não tenham uma finalidade certa. 

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